Cigana

Ali parada com seu vestido esvoaçante, vermelho, velho e surrado, um pouco sujo, um decote grande, mostrando seus enormes seios (que são bom chamariz para os moços e os distrai enquanto ouvem sobre suas “visões” e têm os bolsos revistados), tem um lenço dourado preso à cintura e outro sobre os longos cabelos ondulados e castanhos. Seu sorriso é gostoso, não que seja feliz, mas é boa isca e engodo a sua arte do furto. Até aprendeu a ler expressões e sabe muito da alma humana, suas previsões são sempre agradáveis de se ouvirem. Mas não se orgulha disso, gosta mesmo é de esnobar sua capacidade de envolver tanto com suas palavras que algumas vezes ousa não roubar para receber pagamento. É uma predadora que seduz sua presa.

Conto: Conversa de ponto de ônibus

Era sábado, fim de tarde, Rafael estava ansioso e preferiu sair mais cedo de casa. Ia encontrar alguém.
Foi até o ponto de ônibus e lá esperava um casal gay, de mãos dadas, e um homem com expressão de poucos amigos, afastado, olhando a toda hora na direção que o transporte viria.
Logo que o casal saiu, o outro se aproximou de Rafael e começou a resmungar:
– É um absurdo mesmo! Tão pouca vergonha! Você não acha?
– O quê? – respondeu Rafael, surpreso com a abordagem.
– Essa pouca vergonha! Dois homens de mãos dadas no meio da rua, para todo mundo ver!
Rafael o encarou, pensando no que diria, mas não precisou. O senhor já recomeçou seu discurso:
– Essa abominação devia ser crime! Imagina se meu filho escolhe uma vida dessa! Eu o deserdo, expulso de casa! Vai ser difícil não matar!
– Mas eles não fizeram nada tão abominável assim, só estavam de mãos dadas.
– Ah! Engano seu! Essa escória suja o ar! Não se envolva com essa gente! Você parece moço direito. Eles são pervertidos pelo demônio.
Rafael desistiu da argumentação, já estava cansado de ouvir conversas assim. O coletivo que esperava se aproximava, seu rosto não mostrava mais o mesmo desconforto. Ele não deu sinal, mas o veículo parou, alguém ia descer.
Sorriu, era quem esperava, seu namorado. Trocaram um beijo e começaram a caminhar.
Rafael olhou para trás e observou aquele moço que estava boquiaberto, confuso. O automóvel começou a sair também, e aquele desagradável resmungão tentou correr, mas já tinha perdido a chance de tomar seu ônibus.

Eu odeio o amor

Você já esteve apaixonado? Horrivel não é? Te deixa vulnerável. Te abre o peito e te abre o coração e quer dizer que alguém pode entrar em você e te detonar por dentro. Você constrói todas essas defesas. Constrói uma armadura completa, e por anos nada pode te machucar, aí  uma pessoa estúpida, nada diferente de qualquer outra pessoa estúpida caminha para dentro da sua vida estúpida… Você dá a essa pessoa um pedaço de você. Essa pessoa não pediu por isso. Essa pessoa fez algo besta um dia, como te beijar ou sorrir para você, e aí a sua vida não é mais sua. O amor toma reféns. O amor entra em você. Te come por dentro e te deixa chorando na escuridão, e frases simples como “talvez devêssemos ser apenas amigos” ou “nossa, que perspicaz” se transformam em farpas de vidro movendo-se para dentro do seu coração. Dói. Não apenas na imaginação. Não apenas na mente. É uma dor na alma, uma dor no corpo, uma dor do tipo que-entra-em-você-e-te-arrebenta. Nada deveria ser capaz de fazer isso. Especialmente o amor. Eu odeio o amor.

Neil Gaiman, Personagem Rose Walker in The Sandman #65

tirei daqui e ele traduziu.

Engastalhado

Sempre usei essa palavra, ninguém nunca entendia em São Paulo.

Não achava nos dicionários que tinha, cheguei a pensar que não existia, que era uma gíria do interior, perto de Franca-SP, onde aprendi isso, quando criança.

Mas achei no Houaiss:

– verbo
transitivo direto
1 prensar (madeira) com gastalho (carp)
transitivo direto e pronominal
2 fazer que se prenda ou prender-se em; embaraçar(-se), travar(-se)
Exs.: viu a menina e. os cabelos nos galhos da árvore
engastalhou-se na catraca do ônibus



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13
Dec
2010

Daniel E.

“Meu distúrbio, não diagnosticado pelos mais renomados especialistas, não aceito pelos filósofos e religiosos, torna insuportável a minha vida. Todos à minha volta temem a morte, eu temo o nascimento. Devo explicar a minha situação, porque não tenho amigos que saibam dela e pretendo terminar a minha vida de uma forma que me seja familiar […]

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